“Mesmo com crise,
setor de alimentação continua a crescer no Brasil” já era previsão da Forbes
Brasil em 2015.
“Chi va piano, va sano
e va lontano.” Diz o provérbio italiano que quem vai devagar, com calma e
tranquilidade, vai longe. É isso o que prega o Vapiano, rede de casual dining
italiana nascida em Hamburgo, na Alemanha, em outubro de 2002, e hoje com 152
casas espalhadas por 30 países. Globalmente, a rede faturou cerca de € 386
milhões. Só na Alemanha são 60 unidades em operação — a maior chega a servir
2,4 mil refeições por dia. Criado por um alemão casado com uma italiana, hoje o
Vapiano tem sócios como os donos das empresas alemãs Puma (de artigos
esportivos) e Wella (de cosméticos).
Quem pisa pela
primeira vez no lugar é surpreendido pela imensidão do estabelecimento — o
menor tem 650 metros quadrados e o maior, de Munique, 1,2 mil metros quadrados.
As longas mesas de carvalho para compartilhar a refeição chamam a atenção,
assim como os pratos de massas, as pizzas, antepastos e saladas, todos
produzidos na hora e solicitados diretamente aos chefs em estações individuais.
Nas mesas, vasos de ervas frescas vão além da decoração. Os preços são
atrativos e seguem os praticados na Europa. Uma massa custa entre € 6 e € 7. As
pizzas individuais, grandes e finas como as da Itália, saem entre R$ 20 e R$
26.
Desde que pisou no
Vapiano de Stuttgart em 2007, o jovem Brenno Floriano, um engenheiro de
produção mecânica de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, apaixonou-se pelo
projeto. Tanto que procurou os alemães na sequência para trazer a marca ao
Brasil. Depois de anos de negociação — “alemão é rígido, extremamente
criterioso e pede uma operação germânica” —, ele ganhou um contrato de
exclusividade para operar a marca no estado de São Paulo e, futuramente,
associar-se à matriz em uma joint-venture com foco no território nacional. Mas,
antes, sua irmã e sócia passou um ano em treinamento pré-abertura na Alemanha.
A primeira unidade no país foi aberta em 2012, em Ribeirão Preto, e a segunda
no fim do ano passado no bairro do Itaim, na capital paulista. Até o momento,
Floriano investiu R$ 14 milhões no negócio.
“A ideia é ter 50
unidades no Brasil em dez anos, a partir do início da joint- venture em 2016,
quando um vice-presidente do Vapiano virá morar no país. Eles querem fazer do
Brasil o segundo maior polo de investimento deles, depois da China, onde estão
entrando agora.” Depois de dez anos trabalhando com carros e motos, Floriano
vendeu as duas concessionárias Ducatti que administrava em Ribeirão Preto para
atuar em gastronomia. “Eu sempre fui apaixonado por culinária. E, além disso,
esse setor tem muito mais potencial que o outro, que está terrível com o dólar
do jeito que está. Em 2011, importei 40 carros. Em 2012, quatro.”
Essa mudança de rumo
na vida de Brenno, que hoje tem 36 anos, é um reflexo do potencial de crescimento
que o setor de food service apresenta para os próximos anos, apesar do cenário
econômico instável e a da concorrência acirrada no segmento. “O mercado cresce
e vai continuar crescendo por vários fatores, dentre eles a vida urbana. Não dá
para sair da Avenida Paulista e voltar para casa, em Aldeia da Serra [Barueri,
SP], para almoçar. Fora que o discurso de que você deve se alimentar seis vezes
ao dia vai crescer”, aponta Caio Gouvea, diretor de food service da GSMD —
Gouvêa de Souza.
Mesmo que o food service
tenha crescido entre 5% e 6% em 2014, abaixo dos dois dígitos registrados nos
últimos tempos, Gouvea lembra que este é um excelente número se levado em
consideração o desenvolvimento do PIB. “Ainda há muitas oportunidades no setor
nos próximos anos. Se os brasileiros não explorarem, será aproveitada pelos
grupos que vêm de fora, com a força do dólar”, alerta.
No Brasil, a
alimentação fora do lar representa 33% dos gastos com alimentos e bebidas e
deve levar todo setor de food service a movimentar por volta de R$ 300 bilhões
ao final de 2015. E esse número pode crescer. Enquanto um americano compromete
cerca de 40% de sua renda disponível com alimentos e bebidas, no Brasil ainda
há espaço para crescer. Isso explica o fato de as classes A e B consumirem mais
fora do lar e apresentarem expectativas elevadas. “À medida que houver mais
renda disponível nas classes C, D, E, o setor crescerá mais”, observa Gouvea.
A cerca de dez
quarteirões do Vapiano há outro negócio europeu em operação que também faz planos
de expansão. Trata-se da padaria belga Le Pain Quotidien, fundada em 1990 pelo
chef Alain Coumont, que é adepto das criações artesanais e orgânicas. Embora o
aroma da casa leve o cliente a buscar pães (doces e salgados) na vitrine, o
cardápio traz muitas opções para quem quer se alimentar de forma saudável.
Motivo até que levou a marca criada há 25 anos em Bruxelas a ter 40 unidades em
operação em Nova York.
Em São Paulo, a Le
Pain Quotidien tem quatro unidades em operação no momento — Shopping Cidade Jardim,
Shopping Vila Olímpia, Itaim Bibi e Vila Madalena (no endereço foi montada uma
fábrica que abastece todas as lojas). Segundo a diretora de operações, Flavia
Lorenzetti, o plano é abrir mais três casas na capital neste ano e chegar ao
início de 2017 com dez unidades em operação. “Atualmente, as quatro unidades
faturam R$ 1 milhão por mês. Com a abertura da quinta, já devemos atingir o
break even.”
O espaço atrai muito
do consumidor típico de food service, como os profissionais liberais que passam
o dia na rua e buscam lugares para se alimentar e também trabalhar, mulheres
preocupadas com a saúde, e até mesmo aquele consumidor aparentemente sem
pressa. Esse é o caso do aposentado Roberto Aranha de Oliveira Arruda, de 81
anos. Morador do bairro do Itaim, ele é frequentador assíduo do Le Pain
Quotidien, chegando a visitar a casa duas vezes por dia, antes ou depois de
suas malhações diárias no clube. Quando perguntado sobre a razão para comer
tanto fora de casa, ele responde: “Eu não tenho tempo para perder cozinhando.”
Apesar da inflação
alimentar que pressiona os custos e as margens de restaurantes, lanchonetes e
padarias, Marcio Blak, diretor da Varejo & Consultoria, diz que alguns
setores primários, como transportes e alimentação, permanecem operando bem.
“Temos todos que comer, seja em casa, seja na rua. E a cada dia mais o mercado
de comida fora do lar aumenta. Jovens vão morar sozinhos, casais se separam e
novos lares surgem e a mulher está cada dia mais inserida no mercado de
trabalho. Exemplos que levam ao aumento do setor, principalmente do café e do
almoço fora do lar.”
Uma marca que virou um
fenômeno no Brasil é o Subway, com mais de 1.800 restaurantes espalhados por
490 cidades do país. Hoje, a rede tem no Brasil seu quarto maior mercado
mundial em número de lojas — ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Canadá e
Inglaterra — e segundo em rentabilidade, perdendo apenas para a terra do tio
Sam. “Passamos o México em 2013 e, depois, a Austrália, em 2014, em número de
lojas. Nossa taxa de crescimento anual nos últimos anos é de 30%”, conta
Roberta Damasceno, gerente nacional do Subway. No momento, ela conta que a rede
tem 428 contratos já fechados para abertura de unidades que vão além dos
tradicionais shoppings e lojas de rua. A marca também tem aderido a postos de
combustível, hipermercados e universidades. “Nos Estados Unidos eles já operam
até dentro de igrejas e empresas.” O tíquete médio no Brasil é de R$ 15, o que
explica o tamanho do sucesso.
O avanço do Subway
também tem acelerado os negócios de fornecedores de serviços logísticos, como é
o caso da americana Martin Brower. Só no Brasil, ela atende pesos-pesados como
McDonald’s, Bob’s, Giraffa’s, AppleBee’s e Freddo. “O mercado de food service
no Brasil não é moda nem passageiro. Ele é grande e ainda tem muito espaço para
crescer”, conta Tupa Gomes, presidente da Martin-Brower na América Latina e
presidente do Instituto Food Service Brasil. Além disso, Gomes também é
responsável pelo desenvolvimento da empresa em todo o mundo.
Desde janeiro, ele dá
expediente em Chicago, na matriz da Reyes Holdings, a 11ª maior empresa privada
da América, com quase 17.000 funcionários, receita anual de US$ 30 bilhões e
três divisões: The Martin-Brower Company (serve restaurantes de alimentação
rápida), Reyes Beverage Group (entrega cerveja em bares e restaurantes) e
Reinhart FoodService (atende restaurantes de todos os tipos nos Estados
Unidos). Gomes revela que está conduzindo estudos de viabilidade para trazer a
Reinhart ao país. “Seu atendimento vai além das redes de franquias. Ela atende
os restaurantes individuais com mais de 15 mil itens, enquanto a Martin-Brower
fornece por volta de 4.000.
A BRF também tem feito
bom proveito do boom do food service ao atender clientes locais e globais, como
Galetos, Ráscal, Outback, McDonald’s, além de restaurantes individuais. “Esse
negócio cresce duas vezes o PIB”, diz Fernando Erne, diretor de food service da
BRF. Sua área representa por volta de 10% de toda a receita da BRF e fornece
desde frango, carne, salsicha, margarina, dentre outros produtos. “Os clientes
têm demandado cada vez mais produtos porcionados e de maior valor agregado. No
passado, nossa proporção de frango inteiro era muito maior do que é hoje. Os
produtos in natura vêm perdendo espaço e, mesmo quando são solicitados, são
entregues desossados e porcionados”, revela.
O potencial do food
service, lembra Erne, é tão grande que ele também tem ditado tendências nos
supermercados. “Estamos tentando explorar a criação de hábitos nos restaurantes
para casa. Um exemplo foi a disseminação no consumo de costela pelo Outback, o
que levou o produto ao supermercado. Com a Pizza Hut foi igual após a
popularização do pepperoni”, observa.
Na ponta da pirâmide,
a culinária mais refinada também parece ir bem. No Grupo Egeu, dono de oito
casas (cinco unidades do General Prime Burger, duas do Italy e uma do Kaá), os
negócios vão bem. “Neste ano, devem surgir boas oportunidades em relação a
pontos e centros empresariais. E o Italy, sem dúvida, vai expandir, assim como
o General Prime Burger”, conta Paulo Ricardo, CEO do Grupo Egeu. A última
unidade da casa italiana foi aberta em novembro, no Shopping Market Place, no
Morumbi (em São Paulo).
Já o restaurante
franco-italiano Kaá é o que Ricardo chama de “menina dos olhos verdes e azuis
do grupo”, dados os destaques recebidos em revistas como a Wallpaper, que, em
2010, o posicionou como o melhor restaurante novo do mundo. A casa, assim como
o Italy, aparece no Guia Michelin 2015. Os convites para levar o Kaá para além
dos muros paulistanos são frequentes. Há desejo de instalá-la em outras
capitais brasileiras e também nos Estados Unidos. “É algo que a gente tem
olhado com certo cuidado, para fazer uma análise mais assertiva.” A expansão
pode vir no futuro, mas sem pressa.
O cenário para o Grupo
Egeu tem se mostrado positivo, apesar dos desafios da economia. “Como as
pessoas acabam cortando gastos e as viajando menos nos fins de semana, isso
acaba tendo uma compensação no lazer gastronômico de São Paulo”, acredita
Ricardo. O faturamento do grupo no ano passado foi de cerca de R$ 60 milhões,
um aumento de 7% em relação a 2013. Com a alta dos alimentos, no entanto, as
margens de lucro ficaram muito pressionadas, não ultrapassando os 8% ante as de
10% a 12% em 2013. “Não dá para repassar o aumento no cardápio a toda hora,
motivo que nos levou a segurar os reajustes”, conta Ricardo. A boa notícia,
acredita, é que neste ano haverá uma recuperação de margem, retornando aos
patamares de 2013.
Já no restaurante Tre
Bicchieri, criado em 2010 pelas mãos de três profissionais egressos do Fasano
(Cid Simão, Rodrigo Queiroz e Marcos Freitas), o ano vai bem, com desempenho
que supera as preocupações geradas pelo mercado. “Muitos restaurantes abrem e
fecham em São Paulo. As pessoas ficam curiosas, vão conhecer, mas acabam
voltando aos lugares que gostam”, observa Queiroz, o chef da casa, que acumula
um extenso currículo em cozinhas celebradas como a toscana Enoteca Pinchiorri e
o nova-iorquino Daniel Bouloud.
Com um segundo
restaurante, o Tre, instalado desde 2012 no Shopping JK Iguatemi, o trio
planeja abrir uma terceira casa ainda este ano na capital paulista. “Caberia um
nos Jardins, por exemplo. Já pensamos no Rio de Janeiro, mas voltamos atrás
para focarmos mais em São Paulo”, conta Queiroz. O tíquete médio da casa é de
R$ 150. Apesar do preço que traz um público mais seletivo, o desempenho do
primeiro trimestre das duas unidades foi surpreendente e cresceu 14%. “Estamos
otimistas”, conta o outro sócio, o sommelier Marcos Freitas. Em sua área,
ajustes foram inevitáveis. Por conta da crise e da alta do dólar, ele
renegociou preço com os fornecedores de vinhos. Hoje, 80% da carta de vinhos
têm preço de dois dígitos. Antes, apenas 30% ficavam nessa faixa.
Embora o almoço seja o
horário mais procurado pelo consumidor que se alimenta fora do lar, a noite é
um grande negócio para os empresários do ramo. Com exceção dos fins de semana,
o restaurante Brown Sugar, nos Jardins (em São Paulo), só abre para o jantar.
De sexta e sábado, a cozinha fecha às 2h da manhã. “Não posso reclamar em
relação ao movimento e ao faturamento. Em março, faturamos o que não
faturávamos há dois anos. O que caiu foi a margem, por conta da alta dos
preços, mas faremos reajustes em breve”, diz Marcelo Bruni, sócio da casa que
também é forte em coquetelaria.
A noite também é um
dos alvos da Cia. Tradicional do Comércio, um negócio criado em 1995 por seis
amigos, entre 25 e 30 anos sem grandes perspectivas em suas carreiras em
multinacionais, que decolou. Da paixão em comum pela gastronomia, eles criaram
um “bar ideal”, o Original, que existe até hoje. “Para a nossa surpresa, ele
foi um enorme sucesso, embora fôssemos amadores. Acertamos ao adotar um formato
simples, mas com alta qualidade de atendimento e preocupação grande com os
petiscos servidos”, lembra Ricardo Garrido, sócio e diretor de inovação e
expansão da Cia. Tradicional do Comércio, hoje composta por 25 operações das
marcas Original, Pirajá, Astor, SubAstor, Bráz Pizzaria, Lanchonete da Cidade,
Ici Brasserie e a recém-aberta Bráz Trattoria, no Shopping Cidade Jardim (em
São Paulo).
O termômetro da
operação e o potencial do negócio podem ser medidos pelo interesse de terceiros
na companhia. No ano passado, o fundo 2+capital, dos donos do Grupo Boticário,
Artur Grynbaum e Miguel Krigsner, comprou uma participação minoritária da Cia.
Tradicional do Comércio, dada a expectativa de avanço do negócio. “Eu não
participo do dia a dia, pois os fundadores entendem muito do setor”, comenta
Grymbaum.
Após um 2014
“surpreendentemente bom”, com a inauguração de quatro novas unidades que
puxaram o desempenho para cima, este ano será de investimento, com a abertura
de quatro casas do ICI e Bráz. “Em São Paulo ainda tem espaço para crescer.
Talvez, a partir de 2016, a gente comece a depender da saída para outras
cidades”, promete.
Fonte: Brasil Forbes Por Françoise Terzian